Porto e Lisboa um artigo que recebi por e-mail
«As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoasque as habitam.»AMO o Porto, mas esta paixão deixa-me espaço para gostar muito deLisboa. Depois de um fim de tarde no miradouro da Graça, ninguém no seu perfeito juízo pode negar que Lisboa é uma das mais belas cidadesdo mundo.São cidades diferentes. É fácil gostar de Lisboa logo à primeiravista. O Porto tem de se aprender a gostar.As cidades são diferentes, mas ainda mais diferentes são as pessoas que as habitam.No Premier, o «health club» que frequentava no Porto, quem chega soltaum sonoro bom-dia, logo correspondido pelos que lá estão. As pessoas circulam nuas pelo balneário e conversam umas com as outras, sobre tudo e nada - a bola, a bolsa, os casos do dia. Toda a gente seconhece pelo nome e profissão. Ficámos todos satisfeitos e orgulhososquando a recepcionista Conceição acabou o curso de Direito.Trouxe para Lisboa as maneiras do Porto, mas tive de me adaptar, porque não gosto de dar nas vistas - prefiro disfarçar-me na paisagem.Deixei de dar os bons-dias à chegada ao Holmes Place, porque me farteideles fazerem ricochete nos armários - ninguém mos devolvia. E para evitar olhares desaprovadores ando pelo balneário com a toalhaenrolada à cintura.Gosto muito de Lisboa mas não gosto de algumas pessoas que a habitam.Não gosto das pessoas que mal sabem que sou do Porto desatam a tentar imitar de uma forma grotesca a pronúncia do Norte, entremeando unscaragos com uns ditongos ditos à moda galaico-portuguesa. Abomino aignorância dos que se julgam sem sotaque e tomam a sua adocicada earredondada pronúncia lisboeta como o cânone da língua, que deve parte da sua riqueza às diferentes maneiras como é falada nas mais variadaslatitudes e longitudes.Gosto muito de Lisboa mas não gosto de alguns políticos que a habitam.Não gosto de um Jorge Sampaio, cujas regras de educação lhe permitiram usar o discurso de inauguração da Casa da Música para criticar os«atrasos da obra» e a «derrapagem dos custos». Não me lembro de alguémter criticado os «atrasos na obra» e a «derrapagem nos custos» nosdiscursos de inauguração do magnífico Centro Cultural de Belém ou da fantástica Expo-98.Não gosto de um ministro Mário Lino, cujo código de boas maneiras lhepermitiu usar o discurso de inauguração de uma nova linha do Metro doPorto para ameaçar congelar a expansão da rede, devido aos «atrasos na obra» e à «derrapagem dos custos». Não me lembro de alguém terameaçado congelar a expansão do Metro de Lisboa na sequência dosescandalosos «atrasos na obra» do Metro no Terreiro do Paço ou daenorme «derrapagem nos custos» da estação Baixa/Chiado. Não gosto de um ministro Manuel Pinho, cujos princípios éticos sãolargos ao ponto de abençoar um Prime que habilmente permite o uso defundos comunitários em Lisboa, a mais rica de todas as regiõesibéricas (o Porto está em 27º lugar), de acordo com a UE. É por causa de atitudes como estas que Portugal continua a parecer umbilhar que descai sempre para um só buraco - a capital. O grito deraiva «Nós só queremos Lisboa a arder» é a expressão (grosseira) da revolta de quem se sente discriminado. A única vacina eficaz contraesta raiva é corrigir as assimetrias que desequilibram o país.
in Expresso, caderno Economia & Internacional, 13-08-2005
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